Leibniz 11.8.1 Bolhas de preços

Para entender melhor os suplementos Leibniz, veja por favor a “Introdução aos Leibniz”.

Podem ocorrer bolhas nos mercados de ativos financeiros porque a demanda depende, em parte, das expectativas dos preços a que os ativos podem ser revendidos no futuro. Neste Leibniz, desenvolvemos um modelo matemático simples do mercado das ações da Companhia de Carros Voadores (CCV), mostrando como as expectativas sobre os preços futuros podem intensificar choques de preços e levar a uma bolha, na qual os preços sobem a taxas sempre crescentes.

Imagine que existe um mercado competitivo para as ações emitidas pela CCV. Dividamos o tempo em semanas. Na semana $t$, a demanda pelas ações depende de seu preço atual $P_t$ e da quantidade de variação do preço $E_t$ até um futuro próximo. Assumimos que, dado $E_t$, a quantidade demandada é função decrescente de $P_t$, pelos motivos convencionais. Também assumimos que, dado $P_t$, a quantidade demandada é função crescente de $E_t$: quanto maior o aumento esperado do preço, maior é a quantidade de ações que os especuladores querem comprar, pois estão na expectativa de vendas futuras lucrativas.

Por simplicidade, assumimos que as funções de demanda e oferta são lineares:

\[Q_t^D=a-bP_t + sE_t, \;\; Q_t^S=c+dP_t\]

onde \(a,\ b,\ c,\ d,\ s\) são constantes das quais \(b\), \(d\), e \(s\) (the speculation parameter) são positivas. Um diagrama de oferta e demanda, semelhante à Figura 11.15 do texto (reproduzida abaixo como Figura 1), traça diferentes curvas de demanda para cada valor de \(E_t\); um aumento em \(E_t\) desloca a curva de demanda para a direita.

Tela inteira

Figura 1 Início de uma bolha nas ações da CCV.

Suponha que o mercado se ajuste a cada semana: \(Q_t^D = Q_t^S\) para todos \(t\). Então o preço \(t\) na semana é determinado pela equação de equilíbrio (ou de market-clearing):

\[a-bP_t + sE_t = c+dP_t\]

para todo \(t\), e podemos resolver para \(P_t\) em termos de \(E_t\):

\[P_t = \overline{P} + \frac{s}{b+d} E_t, \, \text{ onde }\overline{P} = \frac{a-c}{b+d}\]
valor fundamental da ação
Preço da ação com base nos lucros futuros previstos e no nível de risco.

Observe que \(\overline{P}\) seria o preço em cada semana se não houvesse expectativa de variação. Podemos pensar em \(\overline{P}\) como o valor fundamental de uma ação.

Para descobrir o que acontece com o preço ao longo do tempo, temos que assumir algumas hipóteses sobre as expectativas do mercado. Vamos ver o que acontece se as expectativas da semana $1$ em diante forem o mais precisas possível, isto é, se os participantes do mercado puderem prever corretamente as mudanças nos preços. Então

\[E_t = P_{t+1} - P_t\]

para \(t=1,\ 2, \ldots \,\) e assim por diante. Ao substituir esta expressão por \(E_t\) na equação anterior a esta, vemos que:

\[(b+d)(P_t - \overline{P}) = s(P_{t+1} - P_t)\]

Rearranjando,

\[P_{t+1} - \overline{P} = R(P_t - \overline{P}), \, \text{ onde }R= \frac{b+d+s}{s}\gt1\]

Essa é a curva de dinâmica dos preços (CDP) discutida no texto, que descreve como o preço evolui ao longo do tempo. Se começamos no período zero, com o preço sendo igual ao valor fundamental, \(P_0 = \overline{P}\), e não ocorrem choques, o preço então permanecerá sendo \(\overline{P}\) nos períodos 1, 2 e em todos os períodos subsequentes.

Entretanto, como \(R \gt 1\) (o que decorre das hipóteses de que as curvas de demanda são inclinadas para baixo (\(b \gt 0\)), as curvas de oferta são inclinadas para cima (\(d \gt 0\) e ocorre especulação (\(s \gt 0\)), mais nosso modelo de expectativas), esse equilíbrio é instável.

Se ocorre um choque que temporariamente altera o preço do período 1 para \(P_1 \gt \overline{P}\), o preço então aumentará no período 2: a CDP nos diz que \(P_2\) estará mais distante do valor fundamental que \(P_1\). No próximo período, será ainda maior.

Essa é a situação ilustrada pela Figura 11.18 do texto principal, reproduzida abaixo como Figura 2. No diagrama, o mercado está em equilíbrio no período zero (\(P_0 = \overline{P}\)). A CDP, representando a relação entre \(P_t\) e \(P_{t+1}\), é exibida pelo painel à direita. A CDP atravessa a linha inclinada em 45\(^\circ\) em \(P_0.\). Como \(R \gt 1\), a CDP é mais inclinada do que a linha de 45\(^\circ\), e após o choque, o mercado se afasta do equilíbrio no período 1. A CDP mostra que o preço aumenta mais a cada período.

Tela inteira

Figura 2 Equilíbrio instável.

Na Figura 2, você pode observar que o preço não apenas se afasta do equilíbrio, mas se afasta a uma taxa crescente. Isto é, a variação dos preços a cada período é maior do que a variação ocorrida no período imediatamente anterior. Para mostrar que nosso modelo matemático prevê esse resultado, podemos rearranjar a equação acima para obter:

\[P_{t+1} - P_t=\frac{b+d}{s}(P_t-\overline{P})\]

e, portanto, também

\[P_{t+2} - P_{t+1}=\frac{b+d}{s}(P_{t+1}-\overline{P})\]

De \(P_{t} = \overset{\overline{}}{P} - \frac{s}{b + d}E_{t}\) , \(E_{t} = P_{t + 1} - P_{t}\) e da equação acima, decorre que

\[\frac{P_{t+2} - P_{t+1}}{P_{t+1} - P_{t}}=\frac{P_{t+1}-\overline{P}}{ P_{t}-\overline{P}}=R\]

Novamente, como \(R \gt 1\), podemos deduzir que a variação nos preços aumenta a cada período, isto é: o preço aumenta a uma taxa crescente.

Esse é o clássico exemplo de uma bolha: o preço aumenta sem limites, porque há expectativas de que aumente, e aumentará enquanto as expectativas estiverem corretas. De forma semelhante, se \(P_1\lt\overline{P}\), o preço cai continuamente em quantidades cada vez maiores. Nesse caso, o modelo prevê que o preço eventualmente vai se tornar negativo, o que geralmente não ocorre. Entretanto, é possível construir versões não lineares desse modelo nas quais o preço permanece positivo para sempre, e se torna cada vez menor, mas nunca chega a zero.

Para muitos mercados de ações, a função de oferta acima é muito simples para ser representativa. Por exemplo, é possível ver a demanda de habitação como dependente do preço das casas e da taxa de variação esperada desse preço (essa última, ao lado da taxa de juros, determina o custo do aluguel), enquanto a oferta de novas casas depende de seu preço atual. Seja \(Q_t\) o total de casas na semana \(t\). Logo, a função de oferta acima deve ser substituída por algo como:

\[Q_t^S=c+dP_t +(1 - \delta) Q_{t-1}\]

onde \(\delta\) é a taxa de depreciação (\(0\lt \delta \lt1\)). A matemática se torna mais complicada, mas a conclusão será basicamente a mesma. Para cada valor de \(Q_0\), há precisamente um preço inicial, digamos, \(F(Q_0)\), com a propriedade de que se \(P_1= F(Q_0)\), então \(P_t\) permanece em um intervalo limitado para todo \(t\gt1\). De outra forma, \(P_t\) explode ou despenca.

Leia mais: Seção 5.1 de Malcolm Pemberton e Nicholaus Rau. 2015. Mathematics for economists: An introductory textbook, 4th ed. Manchester: Manchester University Press.