Leibniz 3.7.1 Matemática dos efeitos renda e substituição

Para entender melhor os suplementos Leibniz, veja por favor a “Introdução aos Leibniz”.

Vimos que, quando você está decidindo quantas horas quer trabalhar por dia, o efeito de uma variação na sua taxa salarial sobre sua decisão pode ser decomposto graficamente em efeito renda e efeito substituição. Este Leibniz mostra matematicamente como fazer esta decomposição.

Elaboramos um modelo de escolha da jornada de trabalho supondo que você escolhe seu consumo \(c\) e horas de tempo livre \(t\) com o objetivo de maximizar sua utilidade, dado que seu consumo depende da renda do seu trabalho. Matematicamente, isto pode ser descrito como um problema de otimização com restrição:

\[\begin{align*}\text{maximizar}\ U(t,\ c) \text{ sujeito a}\ c=w(24-t)+I \end{align*}\]

em que \(w\) é seu salário-hora e \(I\), a renda que não depende de suas horas de trabalho (por exemplo, a renda proveniente de um benfeitor misterioso).

Vamos resolver este problema para determinada função de utilidade

\[U(t,\ c) = tc\]

a fim de encontrar a escolha ótima de tempo livre. Assim, podemos descobrir como a solução varia à medida que o salário-hora \(w\) muda, e decompor a variação em efeito renda e efeito substituição.

A condição de primeira ordem para a otimização iguala a taxa marginal de transformação (TMT) à taxa marginal de substituição (TMS). Como vimos no texto, a sua TMT é \(w\). Para ver claramente o porquê disso, lembre-se de que a restrição orçamentária \(c=w(24-t)+I\) é a equação da fronteira de possibilidades. A TMT é o valor absoluto da inclinação da fronteira de possibilidades:

\[\text{TMT} = \left|\frac{dc}{dt}\right|=w\]

A TMS pode ser calculada utilizando a fórmula que vimos nos Leibnizes anteriores:

\[\text{TMS} = \left| \frac{\partial U}{\partial t} \left/ \frac{\partial U}{\partial c} \right.\right| = \frac{c}{t}\]

Então, neste caso, a condição de primeira ordem TMS = TMT resulta em \(c/t=w\), ou, de modo equivalente, em \(wt-c=0\). Os valores ótimos de \(t\) e \(c\) são encontrados ao resolvermos um par de equações simultâneas, a condição de primeira ordem e a restrição orçamentária:

\[wt - c = 0,\ \ c = w\left( 24 - t \right) + I\]

A solução é:

\[t = 12 + \frac{I}{2w}, \quad c = 12w + \frac{I}{2}\]

Portanto, o número ótimo de horas de tempo livre é uma função do salário-hora e da renda adicional, com as seguintes derivadas parciais:

\[\frac{\partial t}{\partial w} = - \frac{I}{2w^2} \lt0 , \quad \frac{\partial t}{\partial I} = \frac{1}{2w} \gt0\]

Essas duas derivadas parciais nos dizem como as horas de tempo livre escolhidas irão variar se o salário-hora ou a renda adicional se alterarem. A desigualdade \(\partial t/\partial I \gt0\) nos mostra que, com essa função de utilidade, o tempo livre \(t\) aumenta se a renda independente do trabalho \(I\) aumentar e o salário-hora não se alterar. Por meio de \(\partial t/\partial w\lt0\), verificamos que \(t\) diminui se \(w\) aumenta e a renda independente do trabalho não varia.

Em outras palavras, o efeito total de um aumento no salário-hora com a renda adicional \(I\) constante, dado por \(\partial t/\partial w\), é negativo. Este efeito total pode ser decomposto em efeito renda e efeito substituição. Veremos como decompor no exemplo numérico abaixo.

Exemplo numérico

Suponha que \(w = 16\) e \(I= 160\). Substituindo esses valores nas equações que solucionam o problema acima, descobrimos que a escolha ótima de horas de tempo livre e a quantia destinada ao consumo é:

\[t_0 = 12 + \frac{160}{2 \times 16} =17, \quad c_0 = 12 \times 16 + \frac{160}{2} = 272\]

O nível de utilidade é \(U_0=t_0 \times c_0 =17 \times 272 = 4.624\).

Agora, suponha que o salário-hora aumenta para 25, enquanto a renda extra permanece em 160. Primeiro, iremos encontrar o efeito total do aumento do salário sobre a escolha de tempo livre e, então, vamos decompô-lo.

1. Qual é o efeito total do aumento no salário-hora?

Com \(w=25\) e \(I=160\), a escolha ótima de \(t\) e \(c\) é:

\[t_1 = 12 + \frac{160}{2 \times 25} =15,2, \quad c_1 = 12 \times 25 + \frac{160}{2} = 380\]

O nível de utilidade aumenta para \(U_1=15,2 \times 380 = 5.776\).

Podemos ver que o efeito total de um aumento de 16 para 25 no salário-hora, mantendo a renda adicional em 160, é reduzir o tempo livre:

\[t_1-t_0=15,2-17=-1,8\]

2. Qual variação na renda extra teria o mesmo efeito que o aumento de salário-hora sobre a utilidade?

Suponha que o salário-hora tivesse permanecido em \(w=16\), mas a renda tivesse passado de 160 para \(J\). Para chegar ao nível de utilidade de 5.776, \(J\) deve satisfazer a equação:

\[\left(12 + \frac{J}{32}\right)\left(192 + \frac{J}{2}\right) = 5.776\]

Podemos escrever esta equação como \((384 + J)^2 = 64 \times 5.776\). Extraindo a raiz quadrada de ambos os lados (note que apenas a raiz quadrada positiva tem sentido econômico), obtemos \(384 + J = 608\), e assim, \(J=224\).

Portanto, aumentar a renda adicional de 160 para 224 mantendo o salário-hora em 16 teria o mesmo efeito sobre a utilidade que um aumento de 16 para 25 no salário-hora.

3. Encontre o efeito renda

Para encontrar o efeito renda, devemos descobrir como a variação na renda que equivale à variação de salário afetaria a escolha de tempo livre.

O aumento levaria a renda extra a 224 e, com o salário-hora em 16, a escolha ótima de horas de tempo livre seria:

\[t_2 = 12 + \frac{224}{2 \times 16} =19\]

Isto nos dá o efeito renda de um aumento no salário-hora. Este aumento eleva a utilidade a 5.776. Se esta elevação tivesse sido causada por um aumento na renda extra, as horas de tempo livre teriam passado de \(t_0=17\) para \(t_2=19\). O efeito renda é \(t_2-t_0=19-17=+2\).

4. Encontre o efeito de substituição

O efeito total do aumento no salário-hora é a variação de \(t_0\) para \(t_1\) no tempo livre. Isto é, o efeito total é a soma do efeito renda (a variação de \(t_0\) para \(t_2\)) e do efeito substituição que, por sua vez, é a variação de \(t_2\) to \(t_1\).

Efeito renda \(t_2-t_0=+2\)
Efeito substituição \(t_1-t_2=-3,8\)
Efeito total \(t_1-t_0=-1,8\)

O efeito substituição é o efeito de um aumento de 16 para 25 no salário-hora sobre a escolha de tempo livre se ajustarmos a renda adicional para que a utilidade permaneça constante, em 4.624.

Leia mais: Seções 14.1, 17.1 e 17.3 de Malcolm Pemberton e Nicholas Rau. 2015. Mathematics for economists: An introductory textbook, 4ª ed. Manchester: Manchester University Press.