Leibniz 5.4.1 Preferências quasilineares

Para entender melhor os suplementos Leibniz, veja por favor a “Introdução aos Leibniz”.

Ângela é uma agricultora que valoriza duas coisas: cereal (bem que ela consome) e tempo livre. No Capítulo 5, assumimos que suas preferências a respeito desses dois bens têm uma propriedade especial: o valor que Ângela atribui ao cereal em relação ao tempo é uma quantidade constante, independentemente de quanto cereal ela já tenha. Este Leibniz mostra como captar matematicamente esta propriedade.

Em Leibnizes anteriores, utilizamos extensivamente a função de utilidade de Cobb-Douglas. Agora vamos explorar uma outra alternativa: a função de utilidade quasilinear.

Seja \(t\) o número de horas de tempo livre que Ângela tem por dia, e seja \(c\) o número de alqueires de cereal que ela consome por dia. Assumimos, assim como no texto principal, que a taxa a que Ângela está disposta a trocar cereal por tempo livre permanece constante à medida que seu consumo de cereal aumenta. Em outras palavras, sua taxa marginal de substituição entre horas de tempo livre e alqueires de cereal depende apenas do tempo livre, e não depende de modo algum do cereal. Esboçamos curvas de indiferença com essa propriedade na Figura 1. Para dada quantidade de tempo livre, digamos \(t_0\), a inclinação da curva de indiferença no ponto \((t_0,\ c)\) é a mesma para todos os \(c\), o que significa que as linhas tangentes na figura são paralelas.

Tela inteira

Figura 1 Curvas de indiferença com a propriedade de que a TMS depende apenas do tempo livre.

Uma função de utilidade que tem a propriedade de que a taxa marginal de substituição (TMS) entre \(t\) e \(c\) depende apenas de \(t\) é:

\[U(t,\ c) = v(t) + c\]

onde \(v\) é uma função crescente, \(v'(t)\gt0\) porque Ângela prefere ter mais tempo livre do que ter menos. Dizemos que esta é uma função quasilinear porque a utilidade é linear em \(c\) e uma função qualquer de \(t\). Agora mostramos que esta função de utilidade tem a propriedade exigida.

Assim como no Leibniz 3.2.1, define-se a taxa marginal de substituição (TMS) de Ângela entre tempo livre \(c\) e consumo de cereal \(c\) como sendo o valor absoluto da inclinação da curva de indiferença que passa pelo ponto \((t,\ c)\). Isso pode ser verificado pela fórmula que derivamos no Leibniz anterior:

\[\text{TMS} = \frac{\partial U}{\partial t} \left/ \frac{\partial U}{\partial c} \right.\]

Nesse caso, \(\dfrac{\partial U}{\partial t}=v'(t)\) e \(\dfrac{\partial U}{\partial c}=1\), então,

\[\text{TMS} = v'(t)\]

O mesmo resultado pode ser obtido diretamente, sem utilizar a fórmula geral. Cada curva de indiferença tem a forma expressa por

\[v(t) + c = \text{constante}\]

ou \(c= k - v(t)\), onde \(k\) é uma constante. Portanto

\[\frac{dc}{dt} = - v'(t) \lt0\]

ao longo de uma mesma curva de indiferença. A curva se inclina para baixo e o valor absoluto da inclinação é \(v'(t)\). Logo, a TMS é função apenas de \(t\) , como queríamos provar.

Na Figura 1, as curvas de indiferença têm a propriedade comum de TMS decrescente, tornando-se planas à medida que nos movemos para a direita. Para que isso ocorra, \(v'(t)\) deve cair à medida que \(t\) aumenta. Então, \(v''(t)\lt0\): \(v\) é uma função côncava. Como as curvas de indiferença têm a forma \('c = \text{constante} - v(t)'\), a diferença entre duas curvas quaisquer é uma distância vertical constante, como você pode ver na Figura 1. O motivo pelo qual as curvas do diagrama se aproximam paralelamente para valores altos de \(c\) é simplesmente porque são mais inclinadas naquela região.

Resumindo: a função de utilidade

\[U(t,\ c) = v(t) + c\]

onde a função \(v\) é crescente e côncava, é chamada de quasilinear. Utilizar uma função de utilidade com este formato significa que estamos assumindo uma hipótese restritiva sobre as preferências, mas que tem uma implicação muito útil. Como a utilidade é da forma ‘\(c + \text{algo}\)’, ela é medida nas mesmas unidades do consumo. Ângela valoriza \(t\) horas de tempo livre tanto quanto valoriza \(v(t)\) alqueires de cereal.

A possibilidade de medir a utilidade em unidades de consumo em geral ajuda, principalmente nos casos em que Ângela pode vender cereal no mercado e comprar laticínios, roupas ou qualquer coisa com o que a transação lhe render. Nesse contexto, os economistas geralmente interpretam \(c\) como renda monetária. A hipótese de preferências quasilineares torna possível medir aumentos e perdas de utilidade em termos monetários.

Exemplo

Um exemplo de função de utilidade quasilinear é:

\[U(t,\ c) = b t^\alpha + c\]

onde \(b\) e \(\alpha\) são constantes positivas e \(\alpha\lt1\). Você pode ver imediatamente que a função tem a forma \(v(t) +c\), com \(v(t)= b t^\alpha\). Para demonstrar que esta é uma função de utilidade quasilinear como descrevemos acima, é preciso mostrar que a função \(v\) é crescente e côncava. Isso pode ser feito facilmente:

\[v'(t)= \alpha b t^{\alpha -1}\]

que é positivo porque \(b\) e \(\alpha\) são positivos, e

\[v''(t)= (\alpha -1)\alpha b t^{\alpha -2}\]

que é negativo porque \(b\gt0\) e \(0\lt\alpha \lt1\).

Leia mais: Seções 17.1 a 17.3 de Malcolm Pemberton e Nicholaus Rau. 2015. Mathematics for economists: An introductory textbook, 4th ed. Manchester: Manchester University Press.